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Foto do escritorMário Bertini

"Habitar o Intervalo: O Sentir como Enigma Relacional"

Há um movimento intrínseco na experiência de sentir as emoções, um fluxo que não se deixa capturar plenamente pelas categorias da razão, mas que pulsa no corpo e na relação. Sentir, antes de tudo, é existir na trama que entrelaça o singular e o coletivo, o íntimo e o intersubjetivo. No entanto, este sentir não é direto, tampouco simples. Ele exige decifração, paciência, uma espécie de escuta que não se apressa em nomear, mas que reconhece o silêncio e a pausa como partes do discurso emocional.


A psicanálise relacional nos oferece um ponto de partida crucial: as emoções são sempre mediadas pela alteridade. Elas não nascem isoladas em um indivíduo, mas emergem no espaço entre o eu e o outro, moldadas por aquilo que foi dito, pelo que ficou implícito e, sobretudo, pelo que nunca pôde ser plenamente simbolizado. Stephen Mitchell, ao refletir sobre os vínculos emocionais, aponta para a ideia de que sentir é uma experiência profundamente relacional, ancorada na qualidade dos laços que nos constituem. O "eu" que sente só se descobre na medida em que se percebe afetado e, paradoxalmente, afetante.


Nessa perspectiva, o corpo assume uma posição central. Não um corpo isolado, mecanicista, mas um corpo habitado por histórias, memórias e gestos herdados. Antonio Damasio, em seu diálogo com a neurociência, aproxima-se dessa noção quando descreve como as emoções primeiro se manifestam no corpo, em alterações fisiológicas, antes de ganharem forma na consciência. Mas é a psicanálise que nos convida a ir além do corpo biológico para adentrar o corpo simbólico, aquele tecido por afetos, pela linguagem e pelas marcas do desejo. Sentir no corpo, então, é também ouvir o eco de histórias que não pertencem apenas a nós.


A temporalidade desse sentir é outro ponto que nos interpela. Emoções não são estáticas, mas processuais, deslocam-se como rios subterrâneos que, por vezes, irrompem em nossa paisagem psíquica. Na clínica, percebemos como o passado insiste no presente, como o medo, a raiva ou a tristeza não se limitam ao aqui e agora, mas carregam consigo a densidade de um tempo vivido e revivido. As emoções são, em certo sentido, narrativas que buscamos contar — ainda que de forma fragmentada e hesitante.


Aqui, entra o desafio da nomeação. A psicologia cognitiva enfatiza o papel de categorizar e identificar emoções, mas na psicanálise relacional o nomear não é suficiente. O que importa não é apenas dar um nome àquilo que sentimos, mas compreender como esse nome ressoa no vínculo, como ele é recebido ou rejeitado pelo outro. Nomear, na relação, é sempre um ato de endereçamento. E quando o nome não é suficiente — e muitas vezes ele não é —, resta o espaço da escuta, da presença que acolhe sem a urgência de decifrar.


A aceitação, frequentemente exaltada em práticas como o mindfulness, também encontra seu lugar aqui, mas não no sentido de resignação passiva. Aceitar é reconhecer que sentir implica vulnerabilidade, que algumas emoções não podem ser eliminadas ou controladas, mas apenas habitadas. E essa habitação se dá, quase sempre, em um contexto relacional: na confiança construída entre analista e analisando, na escuta que não oferece respostas prontas, mas que sustenta o espaço para que algo novo possa emergir.


Por fim, a integração entre razão e emoção, tão debatida em teorias contemporâneas, adquire na psicanálise relacional uma tonalidade peculiar. Não se trata de domar as emoções pela razão, mas de reconhecer que a razão é, ela própria, atravessada pelo afeto. Sentir, então, é um movimento que articula e desarticula, que confronta e transforma. É no encontro — com o outro, com o corpo, com a palavra — que as emoções se tornam vivas, que deixam de ser apenas vividas para se transformarem em experiências significativas.


O que resta, ao final, não é a certeza de que podemos controlar ou compreender plenamente o que sentimos, mas a possibilidade de nos deixar atravessar pelo enigma das emoções. É na relação, nesse espaço entre eu e outro, que o sentir ganha contornos. Não há resposta definitiva, apenas o convite para habitar esse intervalo, para escutar o que se diz — e o que insiste em permanecer indizível.



Criado com auxílio de IA

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