Há um movimento intrínseco na experiência de sentir as emoções, um fluxo que não se deixa capturar plenamente pelas categorias da razão, mas que pulsa no corpo e na relação. Sentir, antes de tudo, é existir na trama que entrelaça o singular e o coletivo, o íntimo e o intersubjetivo. No entanto, este sentir não é direto, tampouco simples. Ele exige decifração, paciência, uma espécie de escuta que não se apressa em nomear, mas que reconhece o silêncio e a pausa como partes do discurso emocional.
A psicanálise relacional nos oferece um ponto de partida crucial: as emoções são sempre mediadas pela alteridade. Elas não nascem isoladas em um indivíduo, mas emergem no espaço entre o eu e o outro, moldadas por aquilo que foi dito, pelo que ficou implícito e, sobretudo, pelo que nunca pôde ser plenamente simbolizado. Stephen Mitchell, ao refletir sobre os vínculos emocionais, aponta para a ideia de que sentir é uma experiência profundamente relacional, ancorada na qualidade dos laços que nos constituem. O "eu" que sente só se descobre na medida em que se percebe afetado e, paradoxalmente, afetante.
Nessa perspectiva, o corpo assume uma posição central. Não um corpo isolado, mecanicista, mas um corpo habitado por histórias, memórias e gestos herdados. Antonio Damasio, em seu diálogo com a neurociência, aproxima-se dessa noção quando descreve como as emoções primeiro se manifestam no corpo, em alterações fisiológicas, antes de ganharem forma na consciência. Mas é a psicanálise que nos convida a ir além do corpo biológico para adentrar o corpo simbólico, aquele tecido por afetos, pela linguagem e pelas marcas do desejo. Sentir no corpo, então, é também ouvir o eco de histórias que não pertencem apenas a nós.
A temporalidade desse sentir é outro ponto que nos interpela. Emoções não são estáticas, mas processuais, deslocam-se como rios subterrâneos que, por vezes, irrompem em nossa paisagem psíquica. Na clínica, percebemos como o passado insiste no presente, como o medo, a raiva ou a tristeza não se limitam ao aqui e agora, mas carregam consigo a densidade de um tempo vivido e revivido. As emoções são, em certo sentido, narrativas que buscamos contar — ainda que de forma fragmentada e hesitante.
Aqui, entra o desafio da nomeação. A psicologia cognitiva enfatiza o papel de categorizar e identificar emoções, mas na psicanálise relacional o nomear não é suficiente. O que importa não é apenas dar um nome àquilo que sentimos, mas compreender como esse nome ressoa no vínculo, como ele é recebido ou rejeitado pelo outro. Nomear, na relação, é sempre um ato de endereçamento. E quando o nome não é suficiente — e muitas vezes ele não é —, resta o espaço da escuta, da presença que acolhe sem a urgência de decifrar.
A aceitação, frequentemente exaltada em práticas como o mindfulness, também encontra seu lugar aqui, mas não no sentido de resignação passiva. Aceitar é reconhecer que sentir implica vulnerabilidade, que algumas emoções não podem ser eliminadas ou controladas, mas apenas habitadas. E essa habitação se dá, quase sempre, em um contexto relacional: na confiança construída entre analista e analisando, na escuta que não oferece respostas prontas, mas que sustenta o espaço para que algo novo possa emergir.
Por fim, a integração entre razão e emoção, tão debatida em teorias contemporâneas, adquire na psicanálise relacional uma tonalidade peculiar. Não se trata de domar as emoções pela razão, mas de reconhecer que a razão é, ela própria, atravessada pelo afeto. Sentir, então, é um movimento que articula e desarticula, que confronta e transforma. É no encontro — com o outro, com o corpo, com a palavra — que as emoções se tornam vivas, que deixam de ser apenas vividas para se transformarem em experiências significativas.
O que resta, ao final, não é a certeza de que podemos controlar ou compreender plenamente o que sentimos, mas a possibilidade de nos deixar atravessar pelo enigma das emoções. É na relação, nesse espaço entre eu e outro, que o sentir ganha contornos. Não há resposta definitiva, apenas o convite para habitar esse intervalo, para escutar o que se diz — e o que insiste em permanecer indizível.
Criado com auxílio de IA
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